Recensão ao livro

Recensão ao livro:

“DA PHILARMONICA LORIGUENSE À SOCIEDADE RECREATIVA E MUSICAL LORIGUENSE: UM PERCURSO HISTÓRICO (1906 – 2016)”

É com imensa satisfação que hoje me encontro aqui em Loriga, a convite da Direção da SRML, para dar a conhecer, ou melhor, apresentar o livro que imortaliza a história da sua Banda Filarmónica ao longo dos seus 110 anos de existência.

Foi para mim uma tarefa complicada mas ao mesmo tempo aliciante desvendar o conteúdo desta obra, ao tentar reconhecer pessoas e lugares míticos… que em certa parte me eram familiares.

Entendo que a apresentação de um livro não deve ser apenas uma divulgação e amostra, mas sim um espaço de comunicação e partilha, de forma que todos os participantes desta sessão solene fiquem desejosos da sua aquisição e posterior leitura.

Desta forma tentarei motivar e sensibilizar, quiçá espicaçar os presentes, para uma leitura atenta de uma obra de uma riqueza de conteúdos notável e de grande rigor histórico.

Dada a objetividade e profundidade da investigação e a abrangência dos seus conteúdos, deverá ser muito mais que um simples livro, devendo constituir-se como uma ferramenta de estudo e de consulta obrigatória.

Ao tratar-se da primeira narrativa impressa da nossa Banda de Loriga, será certamente um passo importante para que a sua história não se perca, pois é claro e evidente que importantes testemunhos e documentos desapareceram.

Para elaborar esta obra, o autor utilizou duas preciosas fontes, uma delas, a transmissão oral de depoimentos de pessoas, e a outra, documental, como seja a consulta de documentos históricos ainda preservados, periódicos da altura, e a utilização recorrente de bibliografia técnica, entre outros. Foi um trabalho difícil que o autor teve que trilhar, uma vez que já não há pessoas que possam recordar-se do surgimento da Banda Filarmónica assim como a pouca documentação existente que se tornou insuficiente para alcançar uma maior exatidão na obra que aqui se apresenta.

Este livro inicia-se com uma contextualização histórica das Bandas Filarmónicas em Portugal, que se sabe teve o seu primeiro incremento na primeira metade do séc. XIX e que se contabilizam, atualmente, cerca de 800.

Seguidamente, é apresentada uma síntese histórica da Vila de Loriga elaborada pelo autor. Penso que é escusado aprofundar esta matéria, uma vez que é do conhecimento de todos os Loriguenses as origens da nossa terra, que estão mais que estudadas e narradas em livros e periódicos da região da Serra da Estrela.

No que respeita à Fundação da Banda de Loriga, irei debruçar-me um pouco mais sobre este assunto. Todos sabem – através daquilo que nos foi transmitido oralmente ao longo dos tempos – que a mesma ocorreu já no século XX, mais concretamente a 1 de Julho de 1906. A primeira designação utilizada foi mesmo Philarmonica Loriguense, a que se seguiram outras terminologias até chegar à atual Sociedade Recreativa e Musical Loriguense.

Aqui residem algumas interrogações que o autor refere e bem, onde se conclui que a fundação da mesma foi anterior a 1906. De acordo com o que vem relatado no Jornal da altura “Echos de Loriga”, editado em Belém do Pará, no Brasil, constatou-se que em Maio, a Banda de Loriga já tinha tocado no coro da Igreja Matriz, no âmbito das festividades do mês Mariano, a convite do então Pároco de Loriga, Monsenhor António Mendes Gouveia Cabral (Padre “Velho”), que acumulava a função de Secretário da Banda, e que distribuía cigarros pelos 30 músicos que a compunham.

Para mim e certamente para todos vós, esta é uma das grandes surpresas que este livro nos presenteia, tratando-se mesmo de um importante dado histórico que se desconhecia!

Há ainda outros factos que permitiram ao autor avançar para que a fundação seja anterior a Julho de 1906, os quais se centram em propostas e cartões de sócio existentes na altura, a construção do coreto e o Regulamento Interno da SRML, aprovado já em 1981, em que diz que a mesma foi fundada a 1 de Julho de 1905. Também uma carta impressa da SRML de 1951, redigida pelo então diretor José Gomes Lages (Alferes), refere que a Banda foi fundada, pasme-se, em Abril de 1906…Uma tamanha confusão!

São questões que se colocam e sem resposta, das quais deveremos reter que a Banda já teria sido incrementada anteriormente, e que 1 de Julho de 1906 seria a primeira saída à rua na Procissão do Sagrado Coração de Jesus, em Loriga, que se realizava por essa altura.

Fundadores

Foram seus fundadores Joaquim Gomes de Pina e Mateus de Moura Galvão, loriguenses emigrados em Manaus e no Pará do Brasil, respetivamente. É associado mesmo ao primeiro a organização e iniciativa, conforme descrição no Jornal “Echos de Loriga”, em 1906.

Quanto ao segundo, possuímos uma memória fotográfica de 1911, em que os filarmónicos seguram um quadro do próprio, que lhe ofereceram por ter sido também um dos fundadores e a quem estavam eternamente gratos.

Também aqui na fundação da Banda, se foram associando outros nomes, erradamente, como refere o autor, tais como: Augusto Luís Mendes, grande industrial e Benemérito de Loriga e António Cabral, marido da D. Maria da Purificação Rocha Cabral. A “D. Maria”, como era conhecida, e que chegou mesmo a arranjar uma casa de ensaios na sua habitação, situada no Cabeço da Fândega, no Tapado, onde a Banda permaneceu até 1930.

É referenciado no livro de forma objetiva e fundamentada, que estes dois loriguenses estiveram ligados à Instituição, não à fundação, mas sim à permanência e continuidade da Banda, uma vez que os 2 Fundadores faleceram muito cedo: Joaquim Gomes de Pina (1909) e Mateus de Moura Galvão (1916).

Papel dos emigrantes no Brasil

Não há dúvida que os loriguenses radicados no Brasil estiveram na vanguarda e no progresso da vila de Loriga, dado o seu bairrismo e as suas benfeitorias. Para além da Banda, fundaram em 1907 um Grupo Escolar Loriguense, em Manaus, onde premiavam os melhores alunos de Loriga e distribuíam livros às famílias mais carenciadas. Gesto altruísta para não falar dos fontenários (1905-1907), coreto (1905), cruz de prata, a subscrição para a luz elétrica (1912), e por último e não menos importante, a veneração a Nossa Senhora da Guia, que se iniciou em 6 de Outubro de 1884, com a construção da capela e mais tarde a oferta de todo o seu altar.

Convém então reter que em Maio de 1906 a Banda se apresenta na Igreja Matriz; a 1 de Julho de 1906 na Procissão do Sagrado Coração de Jesus; a 5 de Agosto de 1906 na Festa de Nossa Senhora da Guia (elencada por transmissão oral), e a 16 de Setembro de 1906 em Sazes da Beira, na romaria de Santa Eufémia, a primeira festa realizada fora de Loriga.

Maestros

Relativamente aos maestros que passaram pela nossa Banda, os mesmos se encontram referenciados no livro com a sua Biografia. Apenas algumas notas sobre os de primeira água, nomeadamente o primeiro maestro Juan Martinez, de nacionalidade espanhola.

Foi o fundador Joaquim Gomes de Pina que o contratou, talvez por na altura ter a sua filha Laura a estudar piano num colégio em Salamanca, e o ter conhecido por essas bandas.

Quanto ao segundo maestro, falou-se sempre do Maestro Alves de Avô, mas que muita pesquisa levou o autor do livro a descobrir de quem se tratava. Concluiu-se que era o Maestro António Alves das Neves, natural de Anceriz, Arganil. Tinha sido sim o maestro da Banda de Avô e o fundador da Filarmónica Flor do Alva. Era músico militar reformado.

O terceiro maestro elencado foi Narciso Marques, também músico militar reformado, e era natural de Vila Nova de Tazém. Também aqui ficámos a saber a sua naturalidade e por casualidade é a terra natal do nosso Presidente da Banda, Joaquim Almeida!

– Caro Presidente! Já existe um dado histórico na Banda que o liga!:)

Contramestres

Nesta Instituição, coexistiu ainda durante vários anos a figura de contramestre, que normalmente era confiada à pessoa com mais habilidade musical e que normalmente assumia a coordenação da Escola de Música. Foram alguns os que assumiram esse papel, destacando-se António de Brito Amaro (“Ramalho”). Este foi sem dúvida o contramestre que mais tempo permaneceu na Escola de Música e que ensinou mais jovens.

Só é possível haver Banda Filarmónica com uma forte Escola de Música, pelo que aproveito este espaço para apelar à atual Direção, que a mantenha sempre viva e cada vez mais dinâmica.

E assim, sucederam-se maestros, contramestres, filarmónicos, direções e diretores, que a nossa memória exalta e que deram corpo e alma a esta Instituição Centenária.

Interrupções

Como em todas as associações culturais e recreativas, há momentos bons e menos bons, e a Banda de Loriga também não é exceção. Houve 3 paragens, nomeadamente em 1924, 1963 e 1977/8, pela forte emigração e também pela saída de músicos para o serviço militar.

Atividade Artística

Encontram-se também retratadas neste livro todas as deslocações mais significativas e célebres que a Banda realizou por todo o país continental e Açores, e no Luxemburgo, onde fez a sua estreia em território internacional; gravação de 2 CD’s; os episódios mais marcantes na vida de músico filarmónico, alguns dos quais bem dramáticos (a tragédia em Vilar Maior, em 1971); uma exposição cronológica de fotos da Banda e a estreia dos respetivos fardamentos; reportório executado e arquivo musical da Banda; as casas de ensaio e sedes que foram o aconchego dos músicos; os instrumentos musicais que estão em museu e os que estão em atividade…Bem… Não irei desvendar mais sobre o livro. Ficarão estes tópicos finais para aguçar a vossa curiosidade…

Relações familiares e afetivas

Apenas referir a título pessoal e reiterando a minha intervenção inicial, o regozijo em apresentar esta obra, também por laços familiares e afetivos, os quais de maneira nenhuma podia negar ou esquecer. Destaco: Primo Dr. Augusto Moura Brito, autor do livro, com o qual estive sempre em sintonia e atento ao trabalho notável e incansável que ia realizando, ajudando no que podia, pois sentia que essa responsabilidade também era minha, não fosse eu o ter convidado para esta árdua tarefa; meu pai, por ter sido executante, contramestre e maestro desta Banda de Música; tio Augusto Pinto Aparício, exímio clarinetista da Banda durante largos anos e com o qual privei e absorvi alguma da sua forma de estar; primo António Luís Amaro, hábil executante de saxofone durante largos anos e que contribuiu com o seu precioso testemunho para a construção da narrativa; e outros tantos parentes, alguns dos quais ainda no ativo da Banda, primo José Aparício Fernandes, executante e diretor, a quem agradeço o amável convite em representação da Direção; primo Carlos Moura Marques, também ele executante e diretor, e por fim, não menos importante, o Amigo Fernando da “Requinta”, que nos deixou no ano passado, e que esteve ligado a esta Banda mais de 50 anos, pelo qual tinha muita estima e consideração, como se tratasse quase de um familiar.

Creiam que me sinto plenamente em casa, e quiçá, não seria um profissional da música graças também a esta Instituição!

E por falar em família e recuando um século atrás, já a minha Trisa-Avó, Ana Abrantes (Ana “Tripa”), juntamente com outras senhoras, se deslocavam a pé a São Bento, com cestas à cabeça, para acolherem a Banda Velha de Manteigas, que até à fundação da Banda de Loriga, vinha abrilhantando a festa de Nossa Senhora da Guia. Para lá, levavam farnéis para os executantes; para cá, traziam os seus instrumentos musicais mais pesados. Tempos de grande sacrifício mas de grande amor pela música!

Também a minha Bisa-Avó Glória juntamente com a Ana Tripa, eram consideradas as mais fervorosas e entusiastas da Banda de Loriga, deixando tudo para trás, só para a verem e ouvirem.

Há uma frase célebre dita do cimo da Rua da Oliveira e que gravei, pois espelha o amor que estas senhoras, minhas avós, possuíam pela Banda de Loriga: “Ó Glória! Anda, que já lá vem a Música!”

Por tudo isto, e pela memória em honrar o passado do qual me é muito particular, é que se poderá escrever a história do presente e perspetivar o futuro da Banda de Loriga, que passará pela grande dedicação e trabalho dos seus filarmónicos, maestro e direção, pois só assim se conseguirá a excelência no campo musical.

Termino com um pensamento do compositor alemão Ludwig van Beethoven, que dizia: “O génio é composto por 2% de talento e de 98% de perseverante aplicação.”

Sérgio Brito

01.07.2016